sábado, 29 de março de 2008

Alegria na biblia ...

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O reverendo Paul Ford estava muito magoado. Mês após mês, desde há um ano, as condições na sua paróquia tinham piorado cada vez mais, até que, presentemente, para onde quer que se virasse, encontrava apenas discussões, maldizência, escândalo e inveja. Tinha procurado evitar aquilo, falando com as pessoas, predicando, mas era ignorado. Além disso, rezava fervorosamente na esperança das coisas melhorarem. Porém, chegara à conclusão de que nada melhorara, antes pelo contrário. Dois dos seus clérigos tinham-se zangado por uma questão sem importância, três das suas colaboradoras mais enérgicas da organização de caridade tinham-se afastado por causa das más línguas que tinham provocado escândalo. Havia depois divergências sobre as preferências dadas ao solista do coro. E para cúmulo, o responsável e dois dos professores da catequese tinham-se demitido. Esta fora a gota de água que fizera transbordar o vaso e o pastor desanimado resolvera ir para o bosque rezar e meditar. Era preciso fazer alguma coisa, pensava o pastor. Todo o trabalho da paróquia estava parado. Cada vez menos gente frequentava as actividades religiosas. Os poucos colaboradores que restavam degladiavam-se entre si. Por causa de tudo isto, o reverendo Paul Ford sofria muito. Era preciso fazer alguma coisa, mas o quê? O reverendo tirou do bolso as notas que tinha feito para o sermão do próximo domingo. E começou então , a ensaiá-lo aos gritos com voz irada. Até os pássaros e os esquilos tinham fugido deixando tudo em silêncio. O reverendo dobrou de novo as notas e meteu-as no bolso. Começou então a rezar. Estava ele nisto, quando 140 Pollyanna, que regressava a casa depois de ter estado no solar de Pendleton, o encontrou. Correu para ele com um gritinho. - Oh, Mr. Ford! Partiu alguma perna? O reverendo deixou cair as mãos e olhou para ela tentando sorrir. - Não, menina, não! Estou só a descansar. - Ah, ainda bem. É que Mr. Pendleton, quando o encontrei, tinha partido uma perna. Mas ele estava deitado no chão e o senhor está sentado. - Sim, estou sentado e não parti nada que os médicos possám curar. Estas últimas palavras foram ditas em voz muito baixa, mas Pollyanna ouviu- as. Os olhos dela brilharam de simpatia. - Eu sei o que quer dizer, está preocupado com alguma coisa. O pai costumava sentir-se assim muitas vezes. Quase todos os pastores se sentem, frequentemente, assim. Eles são sujeitos a tantas exigências e soli citações. O reverendo virou-se para ela surpreendido. - O teu pai era pastor? - Sim, não sabia? Pensava que toda a gente sabia. Ele casou com a irmã da tia Polly, que era a minha mãe. - Ah, estou a perceber. Sabes, eu estou aqui há poucos anos e não conheço as histórias de todas as famí lias. - Sim, senhor - sorriu Pollyanna. Fez-se um grande silêncio. O reverendo que continuava sentado junto a uma árvore pareceu ter- se esquecido da presença de Pollyanna. Tirou alguns papéis dos bolsos e desdobrou-os, mas não estava a olhar para eles. Em vez disso tinha o olhar fixo numa folha caída, a alguma distância. Pollyanna sentiu uma certa pena dele. - Está um lindo dia - começou ela, esperançosa. Por um breve instante não houve resposta, depois o reverendo olhou para cima. - O quê? Ah sim, está um lindo dia. - Não faz frio nenhum, embora estejamos em Outubro - observou Pollyanna ainda mais esperançosa. - Mr. Pendleton tem uma lareira mas diz que não precisa dela. É só para ver. Eu gosto muito de ficar a olhar para a lareira, não gosta? Desta vez não houve resposta, embora Pollyanna aguardasse pacientemente antes de tentar de novo. - Gosta de ser pastor? O reverendo Paul Ford desta vez olhou logo para ela. - Se eu gosto? Mas que pergunta estranha! Porque perguntas isso, minha menina? - Nada, pelo modo como olhava. fez-me lembrar o meu pai. Ele costumava ter esse ar, às vezes. - Ah, sim? - a voz do reverendo era educada mas tinha voltado a fixar os olhos na folha caída. - Sim, e eu costumava perguntar-lhe se gostava de ser pastor, tal como lhe perguntei agora a si. O homem sorriu tristemente. - E o que é que ele dizia? - Claro que ele dizia sempre que sim, mas dizia também que não continuaria a ser pastor nem mais um minuto se não fosse por causa dos “textos de júbilo”. - Os quê? - Era assim que o pai costumava chamar-lhes - disse ela a rir. - É claro que a Bíblia não lhe chama assim, mas são todos aqueles que servem para animar e reconfortar as pessoas: Uma vez quando o pai se sentiu muito triste contou-os. Havia oitocentos textos desses.
Oitocentos? - Sim, textos que dizem às pessoas para ficarem contentes, para se alegrarem. Era a esses que o pai chamava “textos de júbilo”. - Então o teu pai gostava desses “textos de júbilo” - murmurou ele. - Sim - reafirmou Pollyanna enfaticamente. Ele dizia que se sentia logo melhor quando os contava. Dizia que se Deus se deu ao incómodo de nos dizer oitocentas vezes para ficarmos contentes e alegres era porque queria que nós também o disséssemos uns aos outros. E o pai sentiu-se envergonhado por não o ter feito mais vezes. Depois disso, esses textos davam-lhe tanto conforto quando as coisas corriam mal, quando, por exemplo, as senhoras da caridade se zangavam umas com as outras por não concordarem com alguma coisa.
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Pollyanna - Eleonor Porter.

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